Peço licença aos meus mentores que ensinaram que tricross é um neologismo e, por este motivo, o correto seria usar a expressão inglesa Three Crossover, termo original para designar o cruzamento tricross.
Apesar de o termo não existir, faço coro ao time de zootecnistas, médicos-veterinários e pecuaristas de todo o País e adoto o tricross mesmo, o atual caminho para a produção de novilhos superprecoces de alto valor agregado.
Hoje, os pecuaristas contam com uma pedra fundamental muito interessante para construir suas fábricas de carne, que é a vaca meio-sangue Angus X Nelore, também chamada de “F1”.
Existem muitas outras opções que também geram ótimo resultado tanto no pasto quanto no confinamento, muitas vezes até sem necessitar de cruzamento industrial, mas as vacas “F1”, em especial, já somam cerca de 3 milhões de cabeças na pecuária nacional.
Com faro apurado e a escolha correta da terceira raça, além de contar com boia farta no cocho, produzir bezerros terminados com 20@ aos 13 meses parece até coisa simples.
Só que erros sutis podem tornar esse sistema oneroso, ainda mais que a saca de milho está com os preços nas alturas. Agora, a pergunta que fica é: qual seria a raça apropriada para usar em cima da meio-sangue Angus X Nelore (ou F1)?
Esta é uma escolha complexa que depende de diversos fatores de ordem climática, de manejo e até comerciais. Acompanhe o raciocínio: calor e umidade (e falta dela) podem influenciar negativamente o desempenho do produto final.
O mesmo ocorre em relação à qualidade do pasto; se ruim, não supre um mínimo de proteína ao animal, e ao sempre soberano mercado. O frigorífico precisa desembolsar uma boa bagatela, senão fica difícil ser persuadido a investir em uma produtividade quase industrial com o cruzamento tricross.
Tecnicamente, têm-se alguns gargalos, a começar pela própria heterose, pois sozinha ela NÃO FAZ MILAGRE. Leia esse outro artigo para saber mais.
Quanto maior a distância dos genes entre as raças utilizadas maior será a média produtiva do bezerro em relação aos seus pais. Por isso a meio-sangue Angus X Nelore é tão boa, porque temos 50% de zebuíno e 50% de sangue taurino.
Se voltar um touro bos indicus, teremos 75% de sangue mais azebuado. Ganha-se em rusticidade, adaptabilidade, habilidade materna e perde-se em conversão alimentar, velocidade de acabamento e qualidade de carne.
O inverso também ocorre. Com um touro bos taurus entrando na jogada, 75% do sangue será taurino, com melhor carcaça, ganho em peso, acabamento rápido e qualidade de carne e piores adaptabilidade e resistência a ecto e endoparasitas.
As condições de cada propriedade e a destinação do produto final, se para clima mais quente/seco ou mais temperado/úmido, se a pasto ou em confinamento e ainda se novilho precoce ou bonificação Premium, ajudam a definir a terceira raça.
Qual touro utilizar no cruzamento tricross?
Para sair desta sinuca de bico dos 75% de sangue taurino ou zebuíno, a preferência para fechar o cruzamento tricross, predominantemente, tem girado em torno de raças adaptadas como Senepol, Bonsmara ou Caracu e compostos como Brangus, Braford e Canchim.
Mas não se deve esquecer jamais que a F1 (a base meio-sangue) é uma novilha que, sem esforços, emprenha aos 14-15 meses a pasto ou 12-13 meses de idade com suplementação, parindo entre os 21 e 22 meses.
Ou seja, ela gera a prenhez enquanto ainda se encontra numa fase de pleno desenvolvimento corporal e suas reservas energéticas necessárias para o crescimento são, também, drenadas pelo embrião.
E quanto maior o volume de comida servido maior será o bezerro ao nascimento e mais vagaroso o crescimento da jovem mãe.
Então, além da composição sanguínea mais favorável, é preponderante o uso de touros com DEPs (Diferenças Esperadas na Progênie) negativas para peso ao nascer, mas que sejam de rápido crescimento.
Achar essas duas pérolas juntas dá trabalho porque, com exceção a raças naturalmente menores, é um material genético disponível apenas em reprodutores provenientes de seleção massal. Já quando a F1 torna-se vaca, é o momento de explorar a heterose.
Neste tocante, conheci um belo exemplo de trabalho. Em Rio Verde de Goiás, onde a Fazenda Reunidas Baumgart fez tricross utilizou Senepol nas F1 primíparas, para prevenir problemas de parto, e Brangus ou Braford nas multíparas, com o objetivo de produzir carcaças maiores.
O uso do Senepol gerou bezerros de 20@ aos 13 meses e os compostos desmamaram aos 8-9 meses com uma média de 295 kg, isso com creep-feeding, claro.
Em relação aos touros, indivíduos de frame maior (grandes) geram crias mais exigentes na dieta e mais tardios na terminação.
Aproveitando a deixa, se objetiva marmoreio, os projetos de seleção para tal característica são incipientes na maioria dos zebus e adaptados, mas, no caso do Angus, existe o selo “Angus Black”, que atesta a produção de maior volume de gordura entre as fibras.
Por quanto tempo segurar o tricross?
Para encerrar, por quanto tempo segurar uma F1 Angus X Nelore no rebanho? Quem responde é o zootecnista Daniel Carvalho: “no caso de se fazer retrocruzamentos absorventes, ela servirá de base.
Caso produza para abate, segurar até a segunda cria é a prática convencionada, pois “a proporção de quilos de bezerro desmamado por quilos de vaca adulta ainda será interessante e não mais além disso”, explica.
Na tabela a seguir há alguns exemplos tricross de raças de diferentes grupos genéticos, mas, certamente, devem existir fazendas-modelo que superam tais marcas, inclusive vi um resultado muito interessante de Guzerá no face recentemente. Agora é com você! Leia também este post sobre heterose no cruzamento industrial.
Vejamos os resultados de cruzamentos tricross
Desempenho do tricross sobre base meio-sangue Nelore X Angus no abate | ||||
Idade | Raça | Peso | Sistema de Criação | Estado |
13 meses | Senepol | 20@ | Creep+Confinamento Intensivo | GO |
16 meses | Braford | 18@ | Creep+Confinamento Intensivo | MS |
21 meses | Guzerá | 18@ | Pasto+Confinamento Estratégico | GO |
24 meses | Charolês | 22@ | Confinamento Intensivo | MT |